Opinião: PEDÓFILO? Tragam-nos a cabeça!!!
Coluna de opinião assinada por Victor Assunção (Psicanalista)

“O criminoso não é mais alguém paralelo à sociedade, mas alguém que não se adaptou às normas preestabelecidas, provenientes de um contrato social” Jean-Jacques Rousseau
Antes de tecer meus comentários sobre o tema, devo esclarecer alguns pontos fundamentais. O assunto provoca automaticamente um sentimento de extrema raiva e indignação na maioria das pessoas, com isso fazemos comentários impulsionados pelos nossos desejos de violência e vingança. Esses desejos acabam por nos deixar cegos e ignorantes perante a realidade dos fatos. Digo isso por que nem sempre o que uma pessoa fala é necessariamente o que a outra escuta, já aconteceu com você? Você fala algo e o ouvinte entende outra coisa?
Nesse sentido, quero deixar claro que entender as características da pedofilia não é de forma alguma defendê-la, pois às vezes quando alguém nos apresenta a explicação de alguma coisa temos o habito de achar que ele defende a contrapartida do tema discutido. “Explicar” às vezes é confundido com “justificar”, devido a ignorância de informações e ao nosso velho habito de antagonizar facilmente qualquer coisa. Parece ser obrigatório ao ser-humano ter que escolher um lado, um time, uma ideia e defende-los apenas pelo prazer do antagonismo, mesmo que para isso devemos abandonar a realidade e nos apoiar em fantasias para nos “justificar”. A esse título, informo que a pedofilia é para mim também um crime hediondo e repulsivo, mas de forma alguma deixo a raiva controlar minhas ideias sobre o assunto.
A pedofilia é conhecida pela psicologia como sendo uma “parafilia”, o que por sua vez é explicado como sendo desvio do comportamento sexual, identificado por padrões de fantasias e praticas sexuais peculiares. São parafilias: o exibicionismo, o sadomasoquismo, o voyeurismo, o fetichismo entre outros que preenche uma lista de praticas sexual que a maioria nem imagina que existe. As parafilias são consideradas como transtorno sexual, daí uma pergunta: É uma doença então? Não necessariamente, pois a enfermidade psíquica é reconhecida pela fixação exclusiva do comportamento e pela sua lesividade individual e/ou social. Os masoquistas, por exemplo, que são aquelas pessoas que sentem prazer quando alguma dor lhe é infringida durante o ato sexual, não são de forma alguma pessoas doentes, isso na verdade é muito mais normal do que imaginamos. Porém, se o masoquista sente prazer apenas na dor, se sua atividade sexual é determinada apenas pela exclusividade dessa prática, então podemos dizer que há aqui um adoecimento provocado pela compulsão do desvio sexual.
No caso da pedofilia, qualquer prática relacionada a ela é considerado como crime e fortemente rejeitado pela sociedade. Ela se caracteriza pelo desvio de objeto sexual onde o adulto sente atração por crianças. Ela nada mais é do que uma pratica sexual egoísta, visto que o adulto permite que seus desejos se transformem em uma ação impulsiva em desfavor de um ser vulnerável e incapaz de julgar lucidamente aquela situação, trazendo para a criança vitimada consequências psicológicas desastrosas e difíceis de determinar o rumo que esse trauma pode tomar na vida dela. Umas das chances mais conhecidas pela ciência é que essa criança pode provavelmente se tornar um pedófilo também, ao atingir a vida adulta. Deixo claro que é uma possibilidade e não uma regra. Mas de maneira geral, pode-se dizer que essa criança terá algum transtorno na sua vida sexual, desde a total inibição sexual até o desenvolvimento de alguma outra parafilia ou outro tipo de transtorno mental. Pode ela seguir a vida numa boa com seus desvios sexuais ou pode ter grandes problemas com esses mesmos desvios, como foi explicado.

Então quer dizer que o pedófilo foi uma criança abusada um dia?
Claro que sim. De onde se imagina que vem esse desejo sexual específico? Do nada? Que as pessoas nascem assim? Vermes, como disse um internauta sobre o recente caso ocorrido em nossa cidade?!
O agressor de hoje foi vítima de ontem. Todo efeito tem uma causa, axioma básico da ciência.
Então é para ficar com pena do pedófilo?
De maneira alguma. A pedofilia é uma doença psicológica, mas não exime o agressor da sua culpa. A legislação brasileira reconhece a inimputabilidade de alguns criminosos devido a sua enfermidade psíquica, quer dizer, não considera a responsabilidade do delinquente pelo seu crime através da sua incapacidade de reconhecer conscientemente o que é certo e o que é errado, ele não tem consciência dos seus atos, das consequências e menos ainda da proibição. Já o pedófilo é diferente, seu desejo é grande e impulsivo, mas ele tem consciência de que é proibido, que dá cadeia e que será expulso da sociedade se for pego. E mesmo assim ele o faz.
Existem também pedófilos que não o são, quero dizer, existem aqueles que reconhecem seus desejos, mas os controlam, não partem para a ação. Alguns entendem a gravidade desses desejos e buscam meios de solucionar seu problema, seja por ajuda profissional ou por meios próprios devido à sensibilidade do assunto e a própria competência em saber canalizar os desejos. Já aquele que comete o ato, quase sempre é um caso perdido, segundo as estatísticas, por exemplo, 80% dos pedófilos condenados tem reincidência criminal quando libertados.
A pedofilia, na verdade, é bem mais comum do que se imagina, sua ocorrência é substancialmente maior do que os casos que tomamos conhecimento. A maior parte ocorre entre membros da própria família. A divulgação não acontece porque normalmente as pessoas ficam caladas para defender a suposta honra da família ou simplesmente os pais não percebem que algo aconteceu com a criança.
Um fato surpreendente e espantoso é que historicamente a pedofilia era algo comum e em alguns locais era até prezada. Horrível, não?! Mas graças a Deus a sociedade está em constante evolução. O conceito de criança e adolescente é algo muito recente na nossa historia, antigamente eles não eram visto como tais, mas sim como pequenos adultos sem direitos e sujeitos às vicissitudes da ignorância humana. Hoje com novos conceitos e novos princípios morais a pedofilia se tornou algo repulsivo e inaceitável, contudo o assunto é discutido apenas quando algum caso aparece no jornal. Daí vemos apenas discursos de indignação e raiva, que não leva a solução alguma deste problema social. É como se as pessoas reprimissem a realidade cotidiana da pedofilia dando importância apenas aos próprios desejos de vingança quando surge a oportunidade. Será que protegemos nossas crianças assim?
O tabu da pedofilia deve ser quebrado, um trabalho preventivo deve ser realizado. As crianças estão espalhadas por aí, sujeitas às intempéries que a falta de orientação causa. E esta orientação não falta apenas para as crianças, falta aos adultos, aos pais e as famílias. São com essas pessoas com quem devemos nos preocupar. Sem crítica e nem julgamento. Não devemos cobrar das pessoas aquilo que ainda não aprenderam, cabe então a quem sabe a obrigação de orientar. E orientar quer dizer, preparar alguém para as circunstancias que podem ocorrer no futuro. Em outros termos pode-se dizer que proteger alguém, significa também, ensinar a essa pessoa a se proteger sozinha na medida em que suas competências a permite. As crianças não são vigiadas 24 horas por dia, e em minha opinião nem devem, mas é importante que lhe seja ensinada a responsabilidade que a liberdade nos traz, os limites que devemos respeitar e principalmente, como é o caso aqui, a reconhecer as situações perigosas e o que elas devem fazer quando acontecer.
Quando a sociedade reconhece a raiz dos seus problemas, com uma visão clara e compartilhada, a solução se torna possível. Caso contrário as coisas continuarão como estão. E elas são assim: a sociedade julga e condena o pedófilo com uma sede que os meios jurídicos não saciam, a população carcerária no seu papel de atuação fora da lei passa a servir para sociedade como o algoz do pedófilo, saciando todos os desejos de fúria e vingança de quem não tem coragem de fazê-lo. Então, quando sai a notícia que um pedófilo foi morto na carceragem, logo vem aquele pensamento: “BEM FEITO!”.
As opções são variadas para o tratamento de um pedófilo, digo, é possível resolver o problema. Dependendo do nível do pedófilo temos a prisão, a castração química, remédios para diminuir a excitação sexual e apoio profissional. Mas é uma solução pequena que nem se usa no Brasil e se restringe apenas ao problema que se tornou aparente. O trabalho deve ser ostensivo e realizado junto às famílias e crianças, promovendo uma cultura moral e devolvendo a infância para aqueles que a perderam. As coisas só acontecem quando a sociedade cobra, e ela só cobra o que realmente precisa quando deixa de lado a ignorância e a prepotência, pois a dor que a sociedade sofre, no final, se descobre que é infligida por ela mesma.
Preocupemo-nos menos com o agressor e mais com as crianças, pois como dito, a vítima de hoje pode se tornar o agressor de amanhã. E se amanhã não tiver mais agressor... Ótimo, não?!
Ou continuaremos apenas pendurando as cabeças nos portões?
Tem funcionado?

Coluna de opinião assinada por Victor Assunção (Psicanalista)